Nunca. Não existe tal fenômeno de conversão do leite materno em água. É mentira. O leite materno não se transforma em nada. Sempre é leite materno, assim como sempre é leite o que sai dos úberes de uma vaca durante o tempo que for ordenhada. Desde que a humanidade existe que suas crias foram alimentadas e sobreviveram graças ao fato de serem alimentadas, acima de tudo, pelo seio materno.
A origem do mito sobre o leite que vira água
Ainda que seja bastante óbvio, para muitas pessoas isto não tem muito sentido no presente, por causa dos costumes das últimas décadas. Fomos amamentados por poucos meses para que logo fosse introduzida a mamadeira com fórmula (normalmente leite de vaca modificado) e finalmente o consumo do leite de vaca. Isso fez com que muitas pessoas considerassem que isso é o normal, e acreditassem que o leite materno não faz sentido depois dos seis meses ou, no melhor dos casos, dos doze. Momento em que se diz que o leite vira água, quando, na realidade, fornece mais energia que o leite de vaca.
Leite aguado, água suja, leite que já não alimenta, ou como quer que você o queira chamar. Existem milhares de mulheres que, na prática pediátrica ou de enfermagem , receberam o conselho de desmamarem, porque lhes disseram que seu leite já não era o mesmo do início. Alguns anos atrás, isso acontecia principalmente aos seis meses. Agora, parece que estão um pouco mais relaxados e mudaram o discurso para a partir dos 12 meses. Nem todos, é claro. Há profissionais capazes de entender que, se a humanidade chegou até aqui, é graças, em grande parte, à amamentação em crianças que caminham e correm, e que sabem que a evidência o demonstra: o leite materno é Bom a qualquer idade.
\”Pare de dar o peito e comece a dar leite de verdade\”
Outra maneira de falar sobre o leite materno em crianças com mais de um ano de idade sem saber é esta. Está na boca de muitos profissionais e também na boca das pessoas que não usam jaleco branco, mas que tomam a liberdade de demonstrar seu conhecimento nulo na matéria declarando que o que uma criança tem que beber é o leite de vaca, ou seja, \”leite de verdade\”.
Se a mãe for informada (e o pai também, que é um pilar de apoio fundamental), nada acontece. Porque \”entra por um ouvido e sai pelo outro\”. O problema vem quando eles o dizem com tanta convicção e veemência, até mesmo os profissionais, que você acaba pensando que seu filho pode precisar de leite de vaca, iogurte e queijo. E que ele não os está recebendo na quantidade recomendada por causa da sua convicção de que você está dando o melhor. Ou seja, apenas o seu leite.
Assim, existem muitas mulheres lactantes que muitas vezes perguntam se devem começar com iogurtes antes do primeiro ano. Se têm que dar queijo ao bebê e se seria melhor retirar uma mamada para substituí-la por leite de vaca.
O \”leite materno aguado\” tem mais calorias que o leite de vaca
Existem muitas diferenças entre o leite materno e o leite de vaca. Um deles, o mais óbvio, é aquele que já deve servir para evitar tais conselhos: o leite humano é específico para a espécie humana e, portanto, é mais adaptado para bebês que o leite de vaca. Mas isso não é tudo. O leite humano é específico para cada bebê, pois o leite varia entre bebês, e no mesmo bebê, ele varia conforme ele cresce, e também varia de um dia para o outro. Em outras palavras, o leite produzido por uma mãe é adaptado ao bebê, é adaptado à idade do bebê e está adaptado ao momento do dia em que se amamenta. Claro, o leite de vaca não tem nada disso.
E há mais diferenças, é claro. Não só o leite materno é adaptado nutricionalmente ao bebê, mas também proporciona defesas da mãe ao bebê, o que não é pouco. E tem, entre outras coisas, proteínas que o corpo humano reconhece sem problemas (as proteínas do leite de vaca produzem alergias em várias ocasiões), e são digeridas estupendamente.
Mas hoje nos concentramos em calorias. Para mostrar que o leite materno não se torna \”água\” e mostrar que \”o normal\” não é deixar de dar um para oferecer o outro. Se acontecer, que seja porque a mãe quer que isso aconteça. E não porque ela esteja convencida de que o melhor para o filho é dar menos peito e mais leite de vaca. Porque, nutricionalmente falando, não é verdade.
Energia no leite de vaca
Sabemos que um litro de leite de vaca proporciona 674,27 Kcal. Se transformarmos esse valor em energia (kJ = kiloJoules), temos a contribuição de 2.821,14 kJ por litro.
Energia no leite materno
Em 2005, foi publicado um estudo no qual o leite materno foi analisado após 12 meses de amamentação. A intenção era de responder à dúvida que estamos explicando hoje. O estudo foi publicado na Pediatrics e comparou o leite das mães que amamentavam bebês entre 12 e 39 meses com o leite das mães que amamentavam bebês entre 2 e 6 meses.
Eles viram que o leite recebido pelos menores menores de 6 meses fornecia uma média de 3.103,7 kJ por litro. Com variações de até 863 kJ para cima e para baixo (o leite de algumas mães forneceu cerca de 2.300 kJ e o de outras cerca de 3.900 kJ).
O que era esperado de acordo com a lógica popular era que, ao analisar o leite de bebês com idade superior a 12 meses, eles vissem que a energia aportada estava ficando menor. Então, seria verdade que \”se você quiser, você pode continuar amamentando, mas é como beber água\”.
Mas não. O que eles viram foi que o leite dessas mulheres (com crianças entre 12 e 39 meses) proporcionou aos seus filhos uma média de 3.683,2 kJ por litro. Com variações de até 1.032 kJ para cima e para baixo (o leite de algumas mães forneceu cerca de 2.700 kJ, enquanto o leite de outras 4.700 kJ por litro).
Conclusões
Se voltarmos a converter estes dados em calorias, estaríamos falando sobre o leite de vaca fornecer 67 kcal por 100 ml, enquanto o leite materno de crianças que já andam fornece entre 64,5 kcal e 112 kcal por 100 ml, sendo a média de 88 kCal / 100 ml.
Vejam o quadro abaixo (via @juliobasulto_dn) para entender a comparação dos resultados da pesquisa sobre o leite humano, após 1 ano de amamentação, com o leite de vaca, em quantidade de calorias por litro.
Bem, que cada um tire suas próprias conclusões. Se uma mãe decidir amamentar o filho por mais de 12 meses*, é ela quem deve decidir por quanto tempo continuar. Ela e seu bebê. E qualquer conselho nutricional sobre isso deve ser feito levando em consideração que o leite materno é sempre melhor do que o leite de vaca.
[*NT. A Sociedade Brasileira de Pediatria e o Ministério da Saúde orientam com base nas recomendações da Organização Mundial de Saúde que a amamentação deve ser pelo período mínimo de 2 (dois) anos, podendo ser continuada pelo tempo que mãe e bebê desejarem, não existindo prazo máximo recomendado.]
[Leia também: Amamentação Prolongada Sem Mitos e Um Fato Importante Sobre Amamentação Prolongada Que Você Precisa Saber.]
[Se quiser mais embasamento para derrubar este e outros mitos, não deixe de assistir a nossa live ou ouvir o nosso podcast sobre Evidências Científicas na Amamentação.]
Por Armando Bastida, enfermeiro de pediatria, pai de três meninos e autor do livro Soy papá.
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Traduzido e adaptado por Gabrielle Gimenez @gabicbs
Texto originalmente publicado em espanhol no portal Bebés y más.